O negócio jurídico processual é uma das
vertentes mais significativas de mudanças de paradigmas trazidas à legislação
adjetiva brasileira, muito embora, no Código de Buzaid (CPC de 1973) já havia
sido inserido o entendimento da prevalência das decisões proferidas em
Tribunais Arbitrais, conforme a Lei n. 9.307, de 23-09-1996 (Lei da Arbitragem)
e da possibilidade das partes negociarem previamente o local do foro competente
para dirimir as dúvidas contratuais (cláusula de eleição de foro– art. 5º).
A negociação processual judicial vem
agora expressa e possibilita as partes diretamente relacionadas no litígio a
negociarem sobre direitos disponíveis afetos ao processo, como prazos de
apresentação de defesa, forma de confecção e apresentação de provas etc. Tudo
isso visando, é claro, dar ênfase ao papel ativo de autor e réu, que deve ou
deveria ter na demanda, bem como dar agilidade ao processo, e assim, auxiliar
da concretização dos preceitos de celeridade e economia processual expressos no
inciso LXXVIII, artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil
(acrescido pela EC n. 45 de 2004). É uma tendência mundial que surgiu no final
do século XX, primeiro na Inglaterra e Estados Unidos da América e depois na
França e Itália, que refletem o novo paradigma jurisdicional do neoliberalismo
convivente com o neoconstitucionalismo, no qual se propõe o gerenciamento de
processos (case manegement).
Assim, com a abrangência do negócio
jurídico processual para além do respeito da cláusula arbitral e do foro de
eleição, outros seguimentos do direito processual podem ser assunto de
tratativa nos contratos de direito privado ou no próprio processo judicial em curso,
sendo observados os ditames clássicos da teoria geral do negócio jurídico, para
sua eficácia e validade e do devido processo legal, a fim de que não importe em
renúncia de direitos indisponíveis ou inflija-se o direito de ampla defesa e de
contraditório. Lembrando que, sempre haverá cautela no que diz respeito a
relações negociais deste teor que envolva o hipossuficiente, seja numa relação
consumerista ou trabalhista, por exemplo.
Abram-se parênteses para comentar que,
como visto, o Novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105 de 2015) faz
previsão de negócio jurídico processual no tocante a todos os modus operandis processuais, isto é,
vale recordar que o direito é uníssono, e a divisão entre áreas (civil,
trabalhista, penal etc) são meramente didáticas, logo, encontrando sua
previsibilidade na parte geral do código, combinado com a expressa previsão de
seu artigo 15 – e excetuando a sua aplicação do direito penal cujo direito de ação
e as relações processuais são indisponíveis, salvos as previsões legais –
aplicar-se-á também aos processos que tratam de relações trabalhistas e
administrativas. Nota-se que este é o seguimento adotado pelo Tribunal Superior
do Trabalho, em sua Instrução Normativa n. 39 de 2016.
A primeira tratativa processual, e não
nova, se refere ao foro processual. Nesse ditame, o artigo 63 do CPC de 2015
(compilação dos artigos 111 e 112 do CPC de 1973, com inovações nos parágrafos
1º, 3º e 4º) dispõe:
Art. 63.
As partes podem modificar a competência em razão do valor e do
território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e
obrigações.
§ 1o A eleição de foro só produz efeito
quando constar de instrumento escrito e aludir expressamente a determinado
negócio jurídico.
§ 2o O foro contratual obriga os herdeiros
e sucessores das partes.
§ 3o Antes da citação, a cláusula de
eleição de foro, se abusiva, pode ser reputada ineficaz de ofício pelo juiz,
que determinará a remessa dos autos ao juízo do foro de domicílio do réu.
§ 4o Citado, incumbe ao réu alegar a
abusividade da cláusula de eleição de foro na contestação, sob pena de
preclusão.
E ainda, o legislador determinantemente
adverte ao julgador nas relações de contratos internacionais:
art. 25.
Não compete à autoridade judiciária brasileira o processamento e o
julgamento da ação quando houver cláusula de eleição de foro exclusivo
estrangeiro em contrato internacional, arguida pelo réu na contestação.
§ 1o Não se aplica o disposto no caput às hipóteses de competência internacional
exclusiva previstas neste Capítulo.
É de observar que, pelo parágrafo 3º do
artigo 63 do Novo CPC, se pode falar que
houve uma relativização do vigor da súmula n. 33 do STJ (“a incompetência
relativa não pode ser declarado de ofício”), haja vista que, se expressa a
violação de direitos, a cláusula de eleição é anulável, caso em que o juízo da
distribuição poderá declará-lo de ofício e remeter o processo ao juízo
competente, mas, passado por desapercebido até a citação e o réu consentir, não
o declarando no primeiro momento que tem para falar nos autos processuais, não
poderá mais requer a nulidade da cláusula de eleição.
De todo modo, qualquer decisão de
ofício do juízo deve ser submetida ao prévio contraditório do autor, nos termos
do artigo 9º e 10º do Novo CPC, e o mesmo deve ocorrer no caso do parágrafo 3º
do artigo 63 da nova lei processual. No entanto, a decisão do juízo quando
contrária a manifestação do autor sobre a competência do foro, o instrumento
adequado para atacá-la não será o Agravo Instrumento, por ausência de previsão
no rol taxativo do artigo 1.015 do Novo CPC, muito menos a ação de Mando de Segurança
(Lei n. 12.016 de 2009), na esfera da omissão legal, que vem sendo reduzida sua
incidência pelos Tribunais, e sim, por meio de suscitamento de conflito de
competência diretamente ao Tribunal. (art. 951 do CPC de 2015).
Outro ponto para matéria negocial
jurídico processual é relativa as provas nos autos, é o que se aproveita da
redação do artigo 190 do Novo CPC, vejamos:
Art. 190.
Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito
às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo
às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes,
faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.
Nota-se que na negociação se
fala em ônus da prova, dos poderes, faculdades e deveres processuais, ou seja,
tem-se aqui a possibilidade de existência de prova ilícita quando contrariar a
prova convencional. Mas tudo sempre passará pelo crivo do juízo processante com
a finalidade coibir abusividades, principalmente nos casos de contratos de
adesão, aqueles cujas disposições são determinas por apenas uma das partes.
Art. 190. (...)
Parágrafo único. De
ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas
neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de
inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em
manifesta situação de vulnerabilidade. (Novo CPC)
Fica claro com essa redação que, ao
negociar condições de ritos processuais, as partes anuíram voluntariamente em
comum acordo, tendo na época plena capacidade ambos os contratantes para tal
ato da vida civil (art. 104, inc. I do CC); que o objeto negociado não era
proibido e nem indisponível (art. 104, inciso II do CPC – “objeto lícito, possível, determinado ou determinável”), sendo
imprescindível a sua formalização por escrito (art. 104, inciso III do CC c/c
art. 190, caput do Novo CPC), mas sua
forma é atípica, podendo se dar tanto por contrato anterior ao litígio ou na
própria constância da demanda e tendo como base o princípio de boa-fé e função
social do contrato (art. 113 do CC e art. 5º, inc. XXIII da CRFB).
No que concerne à boa-fé (objetiva)
servirá como norte para os negócios jurídicos processuais, cuja primeira função
é de interpretação, isto é, os negócios jurídicos deverão ser interpretados
conforme a boa-fé das partes manifestantes de vontades e os usos do lugar de
sua celebração. Tal fator foi contaminante no Novo CPC ao expressamente
designar que “a interpretação do
pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé”
(art. 322, § 2o do CPC
2015) e que “a decisão judicial deve ser interpretada a partir da
conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da
boa-fé” (art. 489, §3º do Novo CPC).
A segunda função do princípio da boa-fé objetiva é a de controle,
uma vez que, se um ato jurídico que o contraria será considerado abusivo (art.
187 do CC). E com o abuso do direito está caracterizado na lide temerária.
No que concerne à função social do contrato, tendo todo contrato
ou ato jurídico uma razão de ser e um objetivo próprio, não necessariamente
único, impele o dever de ambas as partes negociantes de visar às garantias
sociais daquela negociação, como o de se abster de negociar sobre objeto que
não é lícito ou de ter o cunho fraudulento etc.
A doutrina vem consagrando acerca do tema da negociação processual
que as mesmas definições de atos e fatos jurídicos presentes aos negócios
jurídicos civilistas são abraçadas pelo processual, e com razão, pois a relação
negocial é intimamente privada e nela se aporta. Observa-se que aqui, não se
tem a pretensão de se dessecar os atos e fatos jurídicos e suas constatações,
definições e expressões, bem como aquelas reverenciadas na doutrina de Pontes
de Mirandas.
Importa salientar que, pelo teor da redação do Novo Código de
Processo Civil brasileiro, a negociação é conclamada tanto numa relação
sinalagmática quanto na unilateralidade (exemplos: testamento,
codicilo, instituição de fundação, aceitação e renúncia da herança, promessa de
recompensa), nos termos do artigo 200 do Novo CPC.
Ainda, sobre as provas convencionadas, como bem nos informa Fredie
Diddie Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira:
A hipótese não é nova. O
art. 109 do Código Civil prescreve que, "no negócio jurídico celebrado com
a cláusula de não valer sem instrumento público, este é da substância do
ato". Nada impede que as partes façam negócio semelhante, exigindo prova
escrita, não necessariamente por instrumento público - o poder de
autorregramento da vontade autoriza isso.• Assim, com esta cláusula, as partes
decidem que determinado negócio jurídico somente pode ser provado por esse ou
por aquele meio de prova, tornando ilícito qualquer outro meio de prova. (Curso
de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, ações
probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da
tutela. 10ª ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015, p. 98).
Com o calendário processual, artigo 191 e parágrafos 1º e 2º do
Novo CPC, as partes, em conjunto com o juiz proativo, irão definir os prazos
para práticas de atos processuais e realização de audiências, como a dispensa
de intimações. Por essa disposição a negociação processual não atingiria a
citação, no entanto, nada impede que o prazo de apresentação de defesa venha
ser dilatado, como um acordo em audiência de mediação ou conciliação, se
presente os pares jurídicos (autor, réu e juiz). Entretanto, se num contrato de
compra e venda ou de inquilinato, por exemplo, as partes convencionarem que o
prazo de defesa, em caso de um processo judicial envolvendo o contrato, for
maior de que 15 dias, somente terá validade se o juízo assim decidir, do
contrário não.
Portanto, quanto ao negócio jurídico processual, se deve ter
cautela de como lidar com essa liberalidade, já que se instaura de maneira
tímida, aprisionada ao consentir do órgão judicante e com arraigamento nos
preceitos do Código de Buzaid revogado, posto que, o calendário judicial muda
se houver motivo justificável para isso, sendo excepcionalidade da norma para
matéria de convenção, enquanto na legislação anterior, apenas em caso fortuito
e força maior o juízo poderia assinar prazo dilatório para o cumprimento de
atos processuais pelas partes. Outra circunstância é o não se poder determinar
um prazo para sentença judicial, em razão do artigo 235 do Novo CPC, a não ser sua
prolação em audiência agendada.
De todo modo, em síntese, são exemplos para o negócio jurídico
processual: o pacto de
impenhorabilidade (art. 834 do Novo CPC), o acordo de rateio de despesas
processuais, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para retirar o
efeito suspensivo da apelação, acordo de não promoção da execução provisória,
de sustentação oral, de ampliação de tempo para sustentação oral, julgamento
antecipado da lide convencional, convenção sobre provas, redução de prazos
processuais, como citado nos Enunciados n. 19 e 21 do Fórum Permanente de
Processo Civil, Carta de Vitória, de 01,02 e 03 de maio de 2015.
Outra
questão é sobre o thema probandum,
nada impede que as partes convencionem entre si o que seria matéria de prova no
contencioso, ainda que implique na confissão de fatos, muito embora a confissão
propriamente dita não faça parte do negócio jurídico, pois, primeiro, há
limitações ao direito de confissão e segundo, é dever das partes guardar
relações de boa-fé e, portanto, falar a verdade em juízo. Nesse sentido,
podemos citar o artigo 392 e parágrafos 1º e 2º do Novo CPC e o artigo 213 do
Código Civil brasileiro.
O
negócio jurídico processual pode também se dar em relação às partes que litigam
no processo, isto é, na formação do litisconsórcio necessário, como na
possibilidade de convencionarem que a propositura de uma ação deve se dar
contra o contratante e o anuente interveniente, por exemplo.
Assim, como escreveu Pedro
Henrique Pedroso Nogueira,
negócio jurídico [processual] é fato jurídico voluntário em cujo
suporte fático, descrito em norma processual, esteja conferido ao respectivo
sujeito o poder de escolher a categoria jurídica ou de se estabelecer, dentro
dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico certas situações
processuais. Estando ligado ao poder de autorregramento da vontade, o negócio
jurídico processual esbarra em limitações preestabelecidas pelo ordenamento
jurídico, como sucede em todo negócio jurídico. (Negócio Jurídico Processual:
análise dos provimentos judiciais como atos negociais. Tese para obtenção de
titulação de Doutor junto á Universidade Federal da Bahia. Prof. Orientador
Fredie Diddie Jr. Salvador: 2011. Disponível em: < https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/10743/1/Pedro%20Henrique.pdf). Acessado em: 29/02/2016, p. 206)
Portanto, como todo negócio jurídico, o
processual será interpretado de forma estrita quando ditarem benefícios a uma
das partes ou renúncias (art. 114 do CC). Assim, o princípio do autorregramento
incidente no processo tem seus limites na própria lei processual e nos ditames
constitucionais de celeridade e economia processual.
De todo modo, a negociação processual
tem bons indícios de ser uma prática que se reiterará nos processos
brasileiros, principalmente nos litígios relacionados aos contratos civis e
empresariais formalizados a partir de agora, já nas relações consumeristas e
trabalhistas, seu uso será de muita parcimônia, levando a crer na maior prática
no primeiro, do que no segundo, tendo em vista que as relações trabalhistas são
essencialmente indisponíveis e não se faz distinção entre o trabalhador de
parcos conhecimentos de seus direitos e aquele como maior graduação e
acessibilidade ao respectivo conhecimento, bem como o rito processual
trabalhista já ser sui generis e
preservar a celeridade e a economicidade processual.
E nada impede que haja evoluções
positivas sobre o instituto que visa a necessariamente dar aos sujeitos processuais
a devida posição processual, com poderes de autorregulação (mediada) de
elementos para solucionamento do litígio e a figura do juiz impositivo e
autoritário é apaziguada, com forte referência aos princípios jurisdicionais
neoconstitucionalistas.
No mais, o que importa ao negócio
processual, como para todo o negócio jurídico, é se assegure a supressão de
indícios de vuneralibilidade a quaisquer das partes contratante sendo
observável o Enunciado n.º 18 do Fórum Permanente de Processualistas Civis que consignou:
“há indício de vulnerabilidade quando a parte celebra acordo de procedimento
sem assistência técnico jurídica” (Grupo: Negócio Processual).